terça-feira, agosto 28, 2007

A Terceira Regência



Inspirado na canção When Love Comes To Town - U2
— Senhora Cândido, aqui está o documento. Acerte com a moça do balcão ao lado — disse o tabelião e proprietário do cartório sem, durante todo atendimento, sequer olhar para a mãe da criança que acabara de registrar.
— Que bebê lindo! — elogiou a encarregada pelo recebimento das taxas pagas ao cartório de registros. — Qual o nome dele?
— Amós — respondeu a orgulhosa mãe que trajava um, impecavelmente passado, uniforme de empregada doméstica.
— O nome dele é Amor. Foi o que a senhora me informou, e assim foi registrado — interviu o tabelião, com certa aspereza na voz, desta vez olhando para Maria com ar de repreensão.
— Mas eu falei Amós, e não... — Quando quiser inventar um nome, é melhor que o traga por escrito — interrompeu de forma ríspida o corpulento tabelião, com um forte sotaque que Maria não soube identificar.
— O senhor conhece os nomes Jonas, Isaías, Joel?
— Já registrei muitos deles aqui!
— Pois então, assim como estes, Amós também é o nome de um profeta do antigo testamento, e como o senhor lida com nomes, eu achei que não houvesse a necessidade de trazer um nome bíblico por escrito.
— Eu não sou cristão, senhora. Esta é a minha bíblia — disse o homem colocando a mão sobre um bonito Alcorão de bordas douradas, que ficava próximo ao seu caderno de notas.
— Quanto a trazer por escrito, me perdoe... Esqueci que a senhora é analfabeta — concluiu o tabelião sarcasticamente e, na clara intenção de constranger Maria perante as demais pessoas que aguardavam impacientes naquela sala quente e pouco ventilada, levantou o espesso livro de notas, apontando para a impressão digital da humilde mulher.
— Por favor, corrija o nome de meu filho — pediu Maria, esticando o braço para entregar-lhe a certidão.
— Não há como. A senhora deveria ter pedido ao seu marido que escrevesse o nome da criança — respondeu o homem, também ciente de que Maria era mãe solteira, escárnio para a época. E voltando novamente o olhar para o livro no qual batia impacientemente com a pequena régua que usava para escrever de forma alinhada, gritou: — Próximo!
Maria, com a dificuldade de quem segurava uma criança, abriu sua bolsa e guardou a certidão, na esperança de que um dia pudesse corrigir o erro no nome do filho. Sentindo-se humilhada, retirou-se da sala, mas antes pôde ouvir alguém que aguardava sua vez de ser atendido cochichar: “Não sei porque tanto caso, é só mais um pobre-diabo neste mundo”. Sem olhar para quem dissera aquilo, Maria retirou-se antes que não conseguisse conter as lágrimas que caíram a poucos metros do cartório, onde agachada e encostada a um muro e segurando seu filho entre as pernas e o tronco dobrado, ela fingia procurar algo na bolsa, apenas para permanecer com o rosto voltado para o chão, ocultando seu pranto perante os poucos e indiferentes transeuntes que por ali passavam. Respirou fundo, enxugou as lágrimas, levantou-se e continuou a caminhar, de volta ao trabalho, ainda com a frase “mais um pobre-diabo neste mundo”, ecoando em sua cabeça.


Trinta e dois anos depois...

Amor despertou, e como de costume nas manhãs de sábado, ainda deitado, fez um breve resumo de como
havia sido sua semana e de como haveria de ser o seu fim de semana, sem se dar conta de que esses resumos e perspectivas em vez de semanais, poderiam ser feitos mensalmente, até anualmente, em face da monotonia em que vivera ultimamente.
Parecia sempre estar à espera de algum acontecimento que pudesse mudar sua vida instantaneamente.
Contava a esmo os dias passados, sem que tivesse um porquê de fazê-lo.
Mesmo sendo bem jovem, não conseguia desvencilhar-se da constante sensação de perda de tempo que fazia girar uma ampulheta imaginária a cada manhã para contar um suposto desperdício de seus dias ou para, de maneira regressiva, anunciar a aproximação de um momento muito aguardado que por mais que tentasse não conseguia desvendar o que ocorreria quando esse momento chegasse.
Dono de um nome nada comum e comportamento ordinário, Amor crescera imaginando, um dia, tornar-se um famoso jogador de futebol, escritor, ídolo do rock, ou até, quem sabe, um grande ator de cinema, entre outras profissões que pudessem lhe trazer alguma fama, mesmo sem nunca ter realizado nada para conquistá-la. Perguntava-se o porquê da importância de ser notado e, como a maioria das pessoas que sentia igual necessidade, não conseguia chegar a nenhuma resposta. Carregava a intuitiva certeza de que havia algo muito importante para passar às pessoas, o que era outra característica encontrada na grande maioria dos “aspirantes ao sucesso”.
Havia, sim, algo de muito importante que Amor poderia passar adiante, e que estava oculto em sua personalidade desde criança; para ser mais exato, desde o seu nascimento, e que em breve lhe seria revelado. Logo entenderia que futuramente esta, ainda não descoberta, incumbência demandaria várias ações que somente poderiam ser realizadas por ele, e que o tornaria um escolhido, e só o tempo iria lhe mostrar a que.
Levantou-se depois de mais uma noite mal dormida, conseqüência de uma insônia que já o acompanhava havia doze anos e que já se tornara crônica.
A freqüência das noites insones fazia com que Amor já não se importasse em ficar horas desperto, lendo, escrevendo alguns contos e poemas, ou passasse horas deitado em sua cama, com os olhos fechados, imaginando imagens mutantes tanto nas formas quanto nas cores, supondo ser aquilo um nirvana. Freqüentemente as imagens tomavam formas e, assim como quem observa o aleatório formato das nuvens, Amor imaginava ver nelas animais, objetos, pessoas com quem tinha um convívio mais estreito e, também, sua falecida mãe.
Nas poucas noites em que conseguia dormir bem, Amor quase sempre tinha sonhos desconexos, e mesmo não achando nada de anormal nisso, começou a tentar assimilá-los por estes terem se tornado mais freqüentes. Levantava-se de madrugada para escrevê-los, ciente de que se voltasse a dormir, se lembraria muito pouco sobre eles na manhã seguinte. Tomou essa decisão após notar que esses sonhos eram quase sempre agradáveis, fosse pelos acontecimentos ou simplesmente pelo cenário neles contido, e porque em todos eles uma ofuscante imagem surgia acenando para ele.
Com o passar do tempo essa imagem tornou-se menos reluzente, conseqüentemente, mais nítida, possibilitando a definição de alguns detalhes como a cor dos cabelos e o sexo — tratava-se de uma silhueta feminina. Definiu também, com mais exatidão, os gestos da imagem que apontava o dedo indicador para os lábios como se estivesse querendo dizer-lhe algo; em seguida, apontava para ele, repetindo diversas vezes estes gestos, até que, ansioso por tentar comunicar-se, Amor acabava acordando.
Ciente de sua forte sensibilidade, evitava, apesar da enorme curiosidade, aprofundar-se em assuntos mediúnicos. Devido sua falta de conhecimento à respeito, temia desenvolver essa mediunidade e ter que exercê-la contra sua vontade.
Após tomar o café da manhã e dar uma breve olhada nos jornais, apressou-se em ir à rodoviária buscar Vera, sua namorada, que morava em São Paulo, cidade localizada a cinqüenta quilômetros da sua. Eles se encontravam toda semana, invariavelmente na cidade dele. O relacionamento entre Amor e os familiares de Vera não era dos melhores em virtude das gritantes diferenças sociais, então para evitar qualquer situação constrangedora ele não mantinha contato com os parentes dela. Vera ia aos sábados de manhã para a casa dele e retornava para São Paulo somente na segunda, indo direto para o trabalho. Sempre viajava de ônibus, pois ao contrário de como conduzia suas empresas, seu pânico no trânsito não a deixava conduzir um automóvel por um quarteirão sequer.
Na casa do namorado, Vera mantinha roupas, sapatos, cremes, xampus e quase tudo que pudesse lá deixar. Via nesse procedimento uma forma de fazer com que Amor olhasse o relacionamento com mais solidez e comprometimento.
Inteligência, responsabilidade e honestidade eram atributos marcantes em Vera, e para aqueles que a conheciam, ainda que há pouco tempo, ela passava sempre as mesmas impressões... Tinha condições, se desejasse, de freqüentar as altas rodas da sociedade paulistana, mas preferia passar os finais de semana na casa de quarto, cozinha e banheiro de Amor assistindo a filmes, cozinhando e lhe ensinando inglês.
Nas poucas vezes em que saíam, iam ao shopping ou visitavam alguns amigos de Amor. Preferiam preparar em casa as refeições, que variavam entre simples lanches e receitas complexas tiradas de revistas de culinária. Pelo fato de comerem fora durante o meio de semana, aos sábados e domingos, evitavam comida industrializada ou preparada em grande quantidade em restaurantes.
Fazia muito frio naquela manhã de sábado, resultado da díspar alternância climática da qual Amor, quando ainda criança, já ouvia falar que ocorreria e que ainda haveria de piorar. Uma cerrada névoa, pouco comum para o clima tropical de seu país, derramava um céu acinzentado, descolorindo tudo ao redor, porém sem densidade suficiente para ocultar os restos de lixo das mais variadas procedências: propaganda de supermercados, maços de cigarros, latas amassadas, decompostos santinhos da última eleição, cacos de vidro, etc. Alguns pares de tênis velhos balançavam de um lado para outro, pendurados pelos cadarços nos fios da rede elétrica, acompanhados de uma quantidade absurda de rabiolas de pipas neles entrelaçadas. No esburacado asfalto, remendos feitos de piche de má qualidade, burlescos desenhos alusivos ao futebol, juntos à não menos mal pintada bandeira brasileira decoravam o chão, demonstrando o quadrienal patriotismo que aflorava no período da copa do mundo de futebol. Habituados a toda aquela sujeira, os moradores de sua cidade, que era considerada uma das melhores do país para se viver, não se atentavam ao ar de abandono e desleixo transmitido pela maculada paisagem composta de muros e casas pichadas e lixo de todo tipo. Tamanha falta de asseio era notória em quase todos os bairros, até para um motorista guiando na neblina, mas inexplicavelmente oculta para os que ali moravam.
Parado no farol, Amor observava crianças oriundas de uma favela próxima, abrindo sacos de lixo colocados em frente das casas para a coleta, na esperança de encontrarem algo que pudesse servir de alimento ou ser vendido. Enquanto isso, próximo a elas, uma matilha de sarnentos aguardava sua vez de também vasculhar e espalhar ainda mais a sujeira pelas calçadas. Também era disputado pelos cães, aos intimidadores rosnados, o direito de acasalamento com uma cadela no cio que em breve contribuiria com mais uma ninhada de vira-latas soltos pelas ruas. Revirar o lixo ainda não era o pior que poderia acontecer àquelas vítimas do descaso e corrupção que imperava em seu país desde o descobrimento... Em breve muitas delas trocariam esta inapropriada tarefa por outras mais indignas: assaltos, homicídios, seqüestros, prostituição, tráfico, etc.
Involuntariamente, Amor foi acometido por um rápido flash do noticiário do telejornal da noite anterior, que exibia sobre uma comprida mesa talhada em mármore, uma montanha de dólares encontrada por policiais federais, dinheiro este que estava escondido em uma parede falsa na residência de um renomado político, que a exemplo do que sempre ocorria, nunca cumpriria pena pelo montante de dinheiro ilícito, proveniente de crimes cometidos por pessoas que talvez um dia já vasculharam sacos de lixo. Não havia em seu país, histórico de políticos ou abastados de qualquer que fosse o segmento atrás das grades, por pior que fosse o crime cometido por eles. As crianças jogadas à sorte formavam com os intocáveis e poderosos senhores que se sobrepunham às leis, um antigo e sólido elo, cujo ponto de junção se dava exatamente nos delitos que muitas delas viriam a cometer e o demagogo uso da criminalidade como plataforma de campanha eleitoral.
Em frente à rodoviária, Amor aguardava no carro enquanto aguardava Vera. Sentiu um perfume agradabilíssimo, olhou para o sachê que estava no console e cheirou-o, mas o aroma que surgiu do nada era muito melhor.
Ao ver o ônibus em que Vera estava contornar a esquina para entrar na rodoviária, Amor saiu do carro para recebê-la e, no instante em que trancava o veículo, em uma das filas do guichê de venda de passagens, viu de relance uma mulher que lhe parecia familiar. Embora as pessoas da fila estivessem de costas para ele, a mulher estava de frente e gesticulava para ele de maneira peculiar. Ele voltou seu olhar rapidamente e, apesar da avançada miopia que, no período escolar, dava margem a brincadeiras do tipo “O Amor é cego”, conseguiu ver que os gestos eram iguais aos da imagem vista em seus sonhos. Assustado, tirou os óculos do bolso da camisa para tentar vê-la com exatidão, mas de maneira estabanada, deixou-os cair. Abaixou-se rapidamente para apanhá-los, e ao colocá-los, viu que a mulher não estava mais lá.
Confuso, atravessou a rua correndo ao som de buzinas que lhe chamavam a atenção para o perigo, chegou até a plataforma antes do ônibus em que Vera viajava, dirigiu-se às pessoas que estavam no guichê e perguntou-lhes sobre a mulher de vestido azul que estava na fila havia poucos instantes. Ninguém a havia visto. O mesmo aroma que sentiu momentos antes parecia estar mais intenso ali onde ele imaginava ter visto a loira.
Amor procurou não transparecer sua agitação quando Vera desceu do ônibus, perguntando-lhe como havia sido a viagem, o que a fez estranhar sua atitude, pois ele nunca fazia essa pergunta quando ela chegava, talvez pelo fato de o trajeto ser curto.
Ao ver Amor pálido e olhando repetitivamente para as duas direções da plataforma, Vera perguntou:
— Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
— Não... Só estou com a impressão de ter visto uma amiga lá do escritório. Na verdade nem tenho muito contato com ela, somos mais conhecidos do que propriamente amigos – justificou Amor percebendo que não devia ter dito aquilo, pois o ciúme era um dos poucos defeitos de Vera e o responsável pelas raras desavenças entre o casal.
— Vamos à banca de jornal? Preciso comprar a nova edição da Speak-up — disse ele.
Amor sabia que ainda faltava uma semana para chegada da edição mensal da revista. Sua intenção era percorrer toda a extensão da modesta rodoviária à procura de alguém que até aquele momento só existia em seus sonhos, mas que agora, de alguma maneira, começava a fazer parte de sua realidade.
No decorrer do fim de semana Vera notou que Amor estava distraído, pensativo, e que pouco havia dormido de sábado para domingo. Embora permanecesse calada a respeito, imaginava e preocupava-se com um possível interesse do namorado por sua colega de trabalho e, antes de se despedir, na segunda-feira de manhã, Vera não conteve sua curiosidade e perguntou-lhe o nome dela.
— É... Juliana — respondeu Amor, dizendo o primeiro nome que lhe veio à mente. — Por que? — perguntou ele sem obter resposta.
Vera o beijou e embarcou de volta para São Paulo.
Amor evitava falar para quem quer que fosse sobre seus estranhos sonhos ou qualquer outro acontecimento ímpar que pudesse ser considerado ter conotação paranormal. Essa relutância se dava pelo fato de sua mãe, que era médium, ter enlouquecido antes de morrer. Muitos achavam que ela teria ficado perturbada a ponto de perder sua sanidade devido ao exercício de atividades mediúnicas, ignorando que o causador de sua morte fora um agressivo tumor cerebral que comprometera suas faculdades mentais antes de levá-la ao óbito. Amor passou a considerar o assunto um tabu, evitando comentá-lo entre os amigos e, principalmente, com a namorada, que sentindo seu desconforto ao falar sobre a mãe, pouco perguntava-lhe sobre o ocorrido com a mesma. Vera chegou a ouvir, no leva-e-traz de alguns parentes maldosos, que a loucura de sua mãe poderia ser hereditária. Por mais absurdo que parecesse, Amor sabia que muitas pessoas realmente acreditavam nessas sandices. Assim, procurava levar sua vida da forma mais “normal” possível.
Após o embarque de Vera, Amor foi para o trabalho procurando esquecer os recentes acontecimentos. Havia, como sempre, muito a ser feito e trabalhou até tarde naquela semana. Não gostava do que fazia, mas mesmo assim era o mais aplicado dos dezesseis funcionários que trabalhavam no escritório... havia lá um ou outro que optava por ser os olhos do patrão, ampliando pequenas ocorrências na proporção de suas pretensões e falta de caráter. Destoavam da grande maioria, que apesar de mal remunerada, trabalhava com afinco sem se importar com o trabalho alheio.
Para abrandar sua insatisfação, procurava focar-se nas parcelas mensais do financiamento da pequena casa em que morava. A idéia de adquirir um imóvel ajudava a arredar o sentimento de autopiedade decorrente do desprazer que sentia em relação ao seu enfadonho trabalho, que por mais que se esforçasse não lhe proporcionava melhoras financeiras, tampouco realização profissional. Gostava de escrever poemas e contos, estes últimos, apesar de escrever com certa destreza, evitava fazê-lo baseando-se em acontecimentos de seu cotidiano e também de conhecidos por julgar sua rotina pobre de relevantes emoções, assim como a das pessoas com quem dividia o marasmo de sua existência. Tinha a intenção de, quem sabe, um dia publicá-los. Embora sempre recebesse elogios e incentivos das poucas pessoas a quem mostrava seus manuscritos, ele nunca procurou nenhuma editora para avaliar seu trabalho, por achar que faltava um incógnito ingrediente em suas criações. Sempre que escrevia algo, lia e relia procurando descobrir qual seria este desconhecido complemento que pudesse ajudá-lo a sentir-se satisfeito com suas obras e, conseqüentemente escrevê-las com paixão e não de maneira mecânica, a exemplo de como executava seu trabalho no escritório.
Daniel, patrão de Amor e dono do escritório, sempre cobrava resultados rápidos na execução das tarefas, e não era raro vê-lo destratar seus funcionários, alegando supostas falhas, algumas ocasionadas pelo sistema, que sofria constantes modificações, não mantendo um padrão para que as pessoas que trabalhavam com serviços burocráticos nas mais variadas áreas, pudessem exercer suas atividades com menos morosidade e desgaste.
Mesmo não conhecendo Vera pessoalmente, Daniel sabia que ela era filha única do proprietário de uma grande empresa, com matriz em São Paulo. Já a havia visto em colunas sociais e na capa de uma importante revista, que destacava sua ótima performance ao lado de seu pai no comando das empresas da família, causando sentimento de invídia em Daniel. Amor tinha consciência deste vil sentimento de Daniel, mas nada fazia, fosse para conquistar a simpatia ou acirrar ainda mais a antipatia do patrão. Achava que seu comportamento indiferente em relação a Daniel seria o mais apropriado tratamento que este pudesse receber.
Daniel ficava no PABX durante o horário de almoço da telefonista e, às vezes, durante o expediente, passava algum serviço para ela realizar em outra sala, aproveitando-se desse período para receber todas as ligações do escritório, utilizando-se desse recurso para averiguar quem ligava, com quem queria falar e qual a freqüência desses telefonemas. Apesar de possuir detector de chamadas, Daniel dedicava algumas horas da semana para satisfazer seu velho hábito.
Certo dia, Daniel atendeu a ligação de alguém que dizia querer falar com Amor, o namorado de Juliana. Daniel disse que devia haver algum engano, pois Juliana era casada com o motorista do escritório... a pessoa então se desculpou e desligou.
Curioso, Daniel discou para o número detectado na ligação e ouviu uma voz diferente daquela da chamada que recebera havia pouco, voz esta que anunciou o nome da empresa e logo em seguida um “Bom dia!”. Ele então desligou sem nada dizer, e sua curiosidade aumentou ainda mais ao saber que a chamada vinha da empresa do pai de Vera. Logo presumiu que se tratava de um telefonema destinado a verificar um provável envolvimento entre Amor e Juliana.
Sem demora, ligou novamente e perguntou à secretária sobre o telefonema feito para o escritório de contabilidade e, sem esperar que ela respondesse, foi logo dizendo:
— Desculpe-me, mas sou novo aqui no escritório... Eu soube que até mês passado, trabalhou aqui outra Juliana, e caso seja importante, pode ligar mais tarde e falar com seu namorado, Amor Cândido.
Ao ter a chance de falar, a secretária disse não saber sobre nenhuma ligação para o escritório em questão. Daniel pediu desculpas e desligou. Presumia que a ligação vinha, de fato, da fábrica do pai de Vera, e que ela saberia o que ele havia dito. E ele estava certo... Cristina, a telefonista e amiga confidente de Vera, ligou de imediato para a sala da patroa e falou sobre a ligação solicitada pela mesma. Vera não queria acreditar, apesar da desconfiança.
No sábado seguinte, como de costume, Vera foi para Jundiaí. Não comentou nada sobre Juliana durante todo o dia, mas à noite Amor novamente sonhou com a imagem, e durante o sono disse “Júlia”. Vera, que ainda estava acordada, ouviu o que ele disse.
Ao falar o nome, logo em seguida, Amor acordou e viu que Vera ainda não havia dormido e olhava fixamente para ele.
Vera, hesitante em como falar sobre suas desconfianças, pois ele já havia ameaçado romper o relacionamento após a última crise de ciúmes dela, resolveu então se calar.
Amor voltou a dormir, e mais uma vez sonhou com a imagem. No sonho ele caminhava por uma ensolarada e pouco íngreme colina, perfumada com o mesmo aroma que havia sentido na rodoviária e coberta por pomares de frutas vermelhas que não conseguia identificar. No topo da colina estava a mesma imagem acenando para ele. Conforme ele se aproximava, o ofuscante brilho da imagem ia diminuindo, até que pôde ver o quão bela era a mulher que o observava com fisionomia preocupada. Aproximou-se um pouco mais. O céu começou a escurecer rápida e assustadoramente, fazendo com que o dia virasse noite, deixando-o agitado durante o sono. Mas antes que ele acordasse, conseguiu perguntar o nome da mulher, que sem mover os lábios, respondeu: — Júlia.
Involuntariamente, Amor repetiu o mesmo nome, despertando logo em seguida, vendo novamente Vera insone ao seu lado, olhando para ele que nem imaginava que havia dito por duas vezes o nome de outra mulher. Virou-se de lado e voltou a dormir. De manhã, levantou bem cedo, foi comprar o jornal como fazia todo domingo e, ainda na banca, deu uma rápida lida em seu horóscopo que finalizava com as seguintes indagações:
“Há ao seu lado alguém disposto a saber como foi seu dia, e tentar melhorá-lo, ou somente saber se és cobiçado, como um cão a vigiar seu osso?
Como estará daqui a dez anos o que atualmente já é incerto e conturbado?”
Pensativo pelo o que lera, Amor voltou para casa e, em silêncio, preparou o café. Vera criou coragem e perguntou quem era Juliana, causando certo espanto, pois para Amor, Vera nem se recordava mais do nome dito por ele, dias antes, na rodoviária. Sem dar muita importância à pergunta, respondeu:
— É somente uma colega de trabalho, que eu pensei ter visto na rodoviária. Ela é esposa do motorista do escritório.
— E quanto à outra Juliana que deixou o escritório há um mês? Eu liguei para lá e fui informada sobre essa moça e seu namoro com ela! — disse Vera, alterando o tom de voz, num misto de raiva e receio.
— Você não deveria ter telefonado. Eu sempre disse que se fosse para enganar você, preferiria romper o relacionamento.
— Você disse o nome dela enquanto dormia! — disse Vera, já chorando.
— Eu não me lembro de ter dito algum nome ou sequer de ter sonhado com a Juliana.
Confuso, Amor sentou-se, procurando alguma conexão entre o nome que dissera durante o sonho e o nome que a imagem havia lhe dito. Ficou em silêncio por um instante, com as mãos sobre a cabeça e o rosto voltado para a mesa.
— Por acaso eu não disse Júlia em vez de Juliana? — perguntou.
Vera aguardava uma confissão, quando Amor começou a lhe contar sobre o sonho que teve na noite anterior e a imagem com que freqüentemente sonhava e que havia visto naquele dia, na rodoviária.
Quieta, Vera ouviu a história contada por Amor, e quando ele terminou, ela disse:
— Eu não sei o que dizer. Acho tudo isso muito esquisito.
— Quanto a você achar estranho minhas visões e sonhos, tudo bem, eu também os acho, mas duvidar de mim é algo que não posso aceitar de quem está comigo há tanto tempo. Acho que não podemos continuar desta maneira. É melhor ficarmos um tempo sem nos encontrarmos para repensarmos sobre o que vem acontecendo — disse ele, ressentido.
Vera, em pranto contido, acenou positivamente com a cabeça e, murmurando, pediu-lhe que a levasse à rodoviária.
Antes de levá-la, Amor tomou um banho demorado para que houvesse tempo para que ela pudesse se acalmar. Enquanto banhava-se, Amor podia ouvir os soluços de Vera. Não sabia dizer se a amava, mas até então, não pensava em romper o namoro.
Após deixá-la na rodoviária, se deu conta de que sua contrição se dava mais por vê-la triste do que com o próprio rompimento.

“Lágrimas sinceras formam caminhos pavimentados em ouro.
Edificam riquezas em nosso, antes moribundo, espírito.
A focada visão se amplia;
Se sossega a língua inquieta;
Esvaem-se sentimentos rançosos;
Revelam um dourado brilho trilhado em nossa face;
Indicam as rotas do recomeço.”

Amor trabalhou arduamente, em média doze horas por dia durante aquela semana. Ele, que sempre fora comunicativo no trabalho, estava demasiadamente quieto. Sabia que alguém do escritório havia sido responsável por sua discórdia com Vera, por esse motivo não queria deixar transparecer a ninguém seu rompimento.
Outro fim de semana chegou. Amor procurou não ficar por muito tempo em casa no sábado. Como um fantasma, a ausência de Vera o assombrava e tudo lhe trazia lembranças dos finais de semana que passavam juntos. Sentia falta até dos ataques de risos que ela costumava ter, muitas vezes por motivos que não justificava tamanha euforia. Às vezes, bastava uma piada, não muito engraçada, para, como uma criança, ela sorrir até seus olhos lacrimejarem. Essas recordações o deixavam em dúvida quanto aos seus próprios sentimentos, não sabendo precisar se era apenas a falta da companhia de Vera que o inquietava ou se realmente a amava. Era muito difícil ficar em casa sem a alegria que sua ex-namorada carregava e compartilhava com ele, de maneira tão pura e incondicional.

“O aroma do óleo de amêndoas;
Os filmes a que assistíamos;
Os lugares que freqüentávamos;
As Canções que, empolgados, entoávamos;
Fazer-te lacrimejar de tanto rir.
Por nunca ter lhe esquecido, de nada recordo;
Associo tudo a ti.
Você era a fragrância, a melodia e o enredo;
O atrativo de lugares enfadonhos;
O sentido e a graça das piadas estúpidas.
Sua ausência faz de meu sorriso pérolas sintéticas.”

Procurando livrar-se do ambiente fúnebre que a ausência de Vera instalara em sua casa, Amor foi a uma lanchonete do pequeno e único shopping de sua cidade. Permanecendo por alguns instantes à mesa após o lanche, Amor observava a grande quantidade de pessoas a vagar pela praça de alimentação de dimensão defasada, que havia tempos, não mais comportava o fluxo de usuários. Indiferente à espera dos que caminhavam de um lado para outro à procura de uma mesa, Amor procurava algum rosto conhecido em meio àquele aglomerado de estranhos. Enquanto se perguntava que fim havia levado todos os amigos do tempo de colégio, tempo em que bastava colocar os pés fora de casa para encontrá-los em qualquer lugar que fosse. Concluiu que, assim como seus sonhos de adolescente, suas amizades também ruíram pelo descaso e pelo tempo, mestre em transformar adolescentes em adultos com fisionomias tão diferentes que não reconheceriam a si próprios caso pudessem se ver uma década mais tarde, enquanto ainda púberes. Enfim, Amor reconheceu uma senhora muito gorda que lutava para manter três crianças de idades aparentemente próximas, junto a si naquele caótico e apertado espaço. Era Edna, a menina mais bonita da escola na época em que Amor cursava o ginásio. A beleza de Edna, quando pré-adolescente, fora responsável por despertar pela primeira vez em muitos garotos o interesse pelo sexo oposto, inclusive o de Amor que assim como vários outros, tomara um “passa fora” da garota. Amor levantou a mão chamando Edna para sentar-se à mesa que ele estava prestes a desocupar. Ela se encaminhou até ele que gentilmente apanhou outras três cadeiras de mesas próximas para as crianças e se despediu da grata mulher de lindos olhos azuis e gordas bochechas rosadas, certo de que ela não o reconhecera. Retornou para casa, já era noite. Deitou-se bem cedo, sentindo o cansaço da exaustiva jornada da semana anterior. Novamente sonhou com a imagem. Acordou irritado e decidiu que procuraria alguém que pudesse lhe auxiliar para que parasse de ter aqueles confusos e repetitivos sonhos. Tomou uma alta dosagem de soníferos e dormiu profundamente.
Duas semanas se passara, e o solitário Amor trabalhava cada vez mais para tentar esquecer os recentes acontecimentos. Chegou a levar para casa, trabalho suficiente para ocupar todo o seu final de semana.
Certa tarde, enquanto realizava um trabalho na sala de Juliana, falavam sobre assuntos corriqueiros, quando, de repente, fugindo completamente do tema sobre o qual conversavam, Juliana colocou a pasta sobre a mesa, olhou para Amor e disse:
— Semana passada, meu marido e eu estávamos indo para a casa dos meus pais no interior. Tínhamos um pouco mais do que o necessário para o combustível e o pedágio, e quando estávamos a caminho da rodovia, passamos em frente ao Cassino Island. Eu, que não gosto de jogos de azar, não sei por qual motivo pedi ao Alex para que parasse o carro, pois queria conhecê-lo. Mesmo contrariado, ele entrou comigo. Comprei uma cartela de bingo... E não é que eu ganhei aquela rodada! Aquilo me encorajou a comprar outra cartela, outra, e quando me dei conta, o cassino já estava para fechar. Havíamos ficado lá dentro por três horas e acabei saindo de lá com três mil, trezentos e trinta e três reais, ganhos entre rodadas comuns e especiais.
— Não imaginava que se pudesse ganhar tanto dinheiro em um cassino! — falou Amor, surpreso.
— Nem eu, mas é possível.
— E onde fica esse Cassino? — perguntou Amor.
— Não me lembro direito, mas acho que fica em frente ao... Meu Deus! Já ia me esquecendo. Com licença, Amor. Preciso levar imediatamente estas contas para o Alex pagar, elas vencem hoje.
Amor não deu muita atenção à história de Juliana, só não entendeu porque ela iniciou aquele assunto sem ao menos ter concluído o anterior.
Logo após a conversa, Amor começou a sentir uma contundente dor de cabeça que aumentava gradativamente. Tomou um analgésico, mas nada parecia aliviar. Avisou o patrão de que iria para casa. Daniel não gostou, porém autorizou sua saída, desde que pagasse as contas que venciam naquele dia.
— Tudo bem, o banco fica no caminho de casa — respondeu Amor.
Na fila do banco, Amor deu uma olhada na conta telefônica e notou, pelo prefixo, que havia uma chamada realizada para o município onde se localizava a empresa do pai de Vera. Olhou para o número e, de imediato reconheceu-o como sendo da empresa em que Vera trabalhava, o que corroborava as suspeitas de Amor: a ligação fora realizada por alguém do escritório.
Pagou a conta e, antes de guardá-la, anotou o dia e horário da ligação.
A dor de cabeça fez com que Amor permanecesse por alguns minutos no carro antes de sair do banco, o suficiente para um rápido cochilo. Saindo do estacionamento, chamou-lhe a atenção uma luxuosa fachada com letras escritas em néon, com os dizeres: “Cassino Island”, localizada do outro lado da rua. Lembrou-se da história de Juliana, e mesmo achando muita coincidência, não deu importância ao fato, ficando apenas perplexo por sempre passar por aquela rua e nunca ter notado a existência daquele exuberante Cassino. Voltou a sentir aquela deliciosa fragrância. Olhou novamente para o cassino e, nesse momento viu a loira de vestido azul, envolta à porta giratória de vidro, olhando e gesticulando para ele, chamando-o.
Amor manobrou o carro e estacionou-o na mesma vaga que estava antes. Atravessou a rua e entrou no cassino, procurando-a por todo o salão. De maneira rápida, deu várias voltas, o que acabou chamando a atenção dos seguranças. Um deles se aproximou e o abordou:
— Posso ajudá-lo?
— Por acaso o senhor viu uma mulher loira, alta, usando um vestido azul-claro? — perguntou Amor.
— Se ela estivesse aqui dentro, o senhor provavelmente a teria encontrado, pois já andou por todo o salão e está desviando a atenção dos clientes. Se desejar permanecer na casa, compre uma cartela e jogue! — concluiu o segurança, em tom ríspido.
Seguindo a recomendação do segurança, Amor comprou uma cartela e foi anotando os números cantados e, entre um número e outro, sempre que tinha tempo, olhava ao redor, levantava-se e voltava a sentar-se rapidamente para não chamar a atenção do carrancudo segurança que continuava atento a todos os seus movimentos.
Quando se deu conta, faltava apenas um número para fechar a cartela, e a funcionária cantou justamente o número que faltava: “Trinta e três!”.
Amor levantou-se e gritou: “Bingo!”. Recebeu o vale para trocar na saída, colocou-o no bolso, comprou outra cartela, e antes de sentar-se, voltou a dar uma olhada geral pelo salão.
Cada vez mais concentrado na cartela e esquecendo completamente a loira, Amor continuou em sua maré de sorte. Ganhou mais uma, duas, três, quatro rodadas e seguiu ganhando durante várias horas. A funcionária anunciou o último e mais importante prêmio da noite, que sozinho pagaria quase o dobro do valor que Amor ganhara até então. Ao final dela, Amor estava, mais uma vez, por apenas um número e, para o delírio dele, ela cantou:
— Número trinta e três!
— Bingo, bingo, bingo! — gritou Amor, anunciando o fechamento da cartela, enquanto batia forte e seguidamente na mesa com o punho cerrado, sob olhares nada amigáveis de mais de uma centena de pessoas, decepcionadas com a perda da rodada. O segurança o acompanhou até o caixa para a troca dos recibos ganhos.
Amor já não fazia idéia de quanto ganhara. Tirou da carteira a sua calculadora cartão, somou o total, chegando à importância de três mil trezentos e trinta e três reais.
Ao sair, passou pela porta giratória que dava acesso para a rua e viu passar um ônibus e, dentro dele estava a loira de vestido azul. Ela estava sorrindo para ele, que novamente atravessou a rua correndo, causando algumas freadas bruscas.
Amor entrou no carro e saiu em disparada, certo de que desta vez conseguiria abordar a misteriosa loira, afinal de contas, notara que além do motorista, só havia ela no ônibus, e o ponto final estava a apenas uns quinhentos metros dali. Ele facilmente alcançou o ônibus e, chegando ao ponto final, parou ao lado do coletivo e antes que o motorista desligasse o motor para um breve descanso, sem se atentar ao excesso de força, Amor bateu fortemente na janela.
Assustado com a possibilidade de aquilo ser uma tentativa de assalto, o motorista abriu apenas alguns poucos centímetros da janela.
— Está tentando quebrar o vidro? — perguntou, irritado.
— Onde está a loira que estava aí no ônibus? — perguntou Amor, esbaforido. — Eu a vi quando você passou em frente ao cassino.
— Mas que cassino? Que loira? Meu último passageiro desceu há cinco paradas atrás. Deixe-me descansar, preciso sair daqui a pouco.
Amor voltou para casa, tentando juntar o quebra-cabeça que estava levando-o à loucura.
A partir daquela noite, passou a tomar doses ainda maiores de remédios para dormir. Seu sono passou a ser como um desmaio, sem sonhos.
No dia seguinte, sempre sentia tonturas e a boca amarga, sensações causadas pela forte ressaca medicamentosa que o acompanhava até mais ou menos o horário do almoço.
Sofria também alterações no raciocínio e na concentração, o que começava a atrapalhá-lo em seu trabalho.
A ampulheta parecia girar mais rapidamente, e Amor não conseguia se livrar da paranóia do desperdício de seu tempo. Sentia a iminente aproximação de algo que não conseguia identificar e, por esta razão, começava a imaginar que era sua morte que poderia chegar a qualquer instante, conduzida por uma overdose de soníferos que eram ingeridos por ele sem que seguisse uma posologia pré-estabelecida em bula ou por um especialista. Não descartava a hipótese de que também lhe pudesse ocorrer algo como um acidente de trânsito, conseqüência de um desatino psíquico devido ao seu descontrole acerca de perigosos medicamentos, causado pela pressão de sua ampulheta imaginária. Enfim, segundo seu desgoverno emocional, causas interligadas eram o que não faltavam para que o pior lhe acontecesse. Amor estava enlouquecendo, mas ainda sobrava-lhe um sopro de lucidez para admitir que precisava de ajuda e também de uma profunda mudança em sua vida.
Um dia Amor foi para o trabalho disposto a esclarecer o episódio dos telefonemas. Perguntou para Glória, a telefonista, se ela havia transferido alguma ligação para a empresa de sua ex-namorada, no último mês.
— Ninguém nunca pediu que eu ligasse para lá — respondeu ela. — Mas há a possibilidade de o Daniel ter ligado, pois além de mim, somente ele faz chamadas diretas da central. Darei uma olhada nas minhas anotações diárias. Eu lhe avisarei se achar algo.
Logo após o horário de almoço, Glória entrou na sala de Amor:
— Verifiquei os relatórios e vi que no dia da ligação eu fiquei todo o período da tarde organizando os arquivos, e o Daniel ficou no PABX até o final do dia. Caso alguém tenha feito alguma ligação de lá, provavelmente tenha sido ele.
— Eu sabia! — disse Amor, batendo na mesa com o punho cerrado, assustando Glória.
— Desculpe, Glória. Muito obrigado!
Seria naquela mesma tarde a reunião mensal de avaliação. Nessas reuniões, Daniel aproveitava para chamar a atenção de alguns funcionários perante outros colegas de trabalho e também para massagear seu próprio ego. Para isso fazia uma pesquisa, na qual cada funcionário tinha que avaliar o desempenho dele. Dizia-se um patrão democrático e que, uma vez que ele avaliava o desempenho de seus subordinados, ele também deveria ser avaliado.
Ninguém ousava apresentar nenhum tipo de queixa contra o chefe. Sabiam que a avaliação, que era realizada oralmente, poderia resultar em demissão, como já ocorrera antes com uma funcionária que o acusou de ter sido omisso em uma pendência que dependia apenas dele para ser finalizada. Sua omissão acarretou alguns prejuízos para o escritório, prejuízos estes que foram descontados do salário da moça que não tivera culpa pelo ocorrido.
A reunião começou com as rotineiras reclamações de Daniel em relação ao desempenho de alguns funcionários. Amor ouvia tudo calado e, quando Daniel solicitou a opinião dos funcionários em relação ao seu desempenho, ele levantou-se com um olhar de reprovação e falou:
— Depois de anos você ainda não conseguiu entender nem as regras básicas sobre o trabalho que executamos aqui, nem como se relacionar com os seus funcionários, desrespeitando a todos, pessoal e profissionalmente.
Daniel levantou-se surpreso, e antes que começasse a falar, Amor gritou:
— Ainda não terminei!
Todos se espantaram com o volume e o tom usado por ele, principalmente o chefe, que se sentou sem dizer uma palavra sequer.
— Não sei como você consegue destratar, ofender e prejudicar pessoas que convivem com você diariamente, e depois voltar para casa e dormir tranqüilamente, todas as noites como você mesmo diz fazer. Como é que você consegue? De onde vem tanta maldade e arrogância?
Daniel tentou argumentar e, mais uma vez, foi interrompido por Amor, de maneira ainda mais áspera.
— Eu ainda não terminei! — gritou novamente Amor.
— Você que cobra tanta eficiência, nunca foi tão eficiente como na ligação que fez à minha namorada — continuou Amor. — Em poucos segundos causou o fim de um relacionamento de cinco anos.
Daniel, cinicamente puxou o canto dos lábios, levantou as sobrancelhas, tentando demonstrar indiferença ao sermão de Amor. No entanto, estava em pânico, não só pelo tom ameaçador de Amor, que era muito alto e forte, mas pela revelação feita diante dos outros funcionários. Mesmo assim esboçou um sorriso, o que fez com que Amor o insultasse com palavras impublicáveis. Continuou a sorrir, agora indiferente à ciência de todo o pessoal em relação ao seu embuste. Regozijava-se ao ver o destempero de Amor, e mais ainda ao saber que findara o relacionamento entre Vera e Amor.
O largo sorriso de Daniel fez com que Amor partisse descontrolado em sua direção, mas antes que ele o agredisse, pelo menos seis funcionários o impediram e, com dificuldade o tiraram da sala, pois além de muito forte, Amor era o típico virginiano: muito era preciso para tirá-lo do sério, e mais ainda para acalmá-lo.
Levaram-no para fora do escritório, acalmaram-no e pediram-lhe para que fosse embora. Depois o motorista entregaria seus pertences em sua casa.
Amor sabia que agora ele era mais um a engrossar a lista das estatísticas de desemprego de seu país. Não estava preocupado com a questão financeira, pois apesar de ser autônomo e em conseqüência disso não ter direito a receber valores rescisórios, todo mês ele poupava no mínimo um terço de seus ganhos, pensando em um possível casamento com Vera. Ele não aceitava a idéia de viver dos frutos da empresa de sua ex-namorada por mais inevitável que isto parecesse, no caso de uma possível união.
Pouco depois de chegar em casa, Amor recebeu seus pertences em uma caixa de papelão, entregue por Alex.
— Entre, já estou mais calmo! — brincou Amor, percebendo um pouco de apreensão no olhar do motorista.
— Nunca imaginei vê-lo naquele estado. Você sempre foi tão calmo...
— É, nem eu. O Daniel já aprontou várias comigo, desde a época em que éramos crianças.
— Vocês se conhecem desde criança? — perguntou Alex.
— Sim, éramos vizinhos e, acredite se quiser, nascemos no mesmo dia e no mesmo hospital.
— E o que aconteceu para vocês terem tantas diferenças?
— Foram inúmeras brigas quando éramos crianças, mas sempre voltávamos a ser amigos quase que instantaneamente.
— Bem típico de criança — comentou Alex.
— A perseguição continuou até a adolescência. Ele procurava sempre estar a par dos meus namoros e de uma maneira ou de outra, sempre dava um jeito de encurtá-los. Fazia de maneira quase instintiva, como se aquilo fosse uma meta em sua vida.
— E como vocês acabaram trabalhando juntos?
— Quando saímos do Exército, a família dele mudou-se para um bairro nobre. Era uma família de boa condição financeira. Perdi o contato com ele por alguns anos, até nos encontrarmos no mesmo curso na faculdade. Estudei apenas três meses e logo vi que contabilidade não era para mim. Naquela época não estava trabalhando e, para conseguir algum dinheiro eu cantava na noite. Minha mãe estava doente e eu estava desesperado à procura de um emprego. O pai de Daniel estava abrindo um escritório e então me convidou para trabalhar com ele. O Sr. Muller e eu sempre tivemos uma ótima amizade. Ele costumava dizer que eu era o seu segundo filho.
— Coisa de vizinho! — disse Alex.
— Não no nosso caso. Ele acreditava ser meu pai.
— Não brinca! — disse Alex, descrente.
— Peço-lhe que o que vou lhe dizer agora fique somente entre nós.
— Pode confiar em mim!
— Minha mãe trabalhava como doméstica na casa dos pais de Daniel e teve um caso com o Sr. Muller. Daquele caso, eu teria nascido. Ela nunca me disse quem era meu pai, mas disse ter amado e se entregado a apenas um homem em toda a sua vida.
— E como você soube quem foi esse homem?
— Eu soube porque ele mesmo me disse pouco antes de sua morte. Minha mãe e a de Daniel engravidaram na mesma época, e nós nascemos no mesmo dia e hora.
— Isso parece uma novela mexicana! — falou Alex, em tom de brincadeira.
— Infelizmente sem o costumeiro final feliz — disse Amor, com o semblante sério.
— Desculpe-me! — disse Alex, percebendo que não devia ter dito aquilo.
— Tudo bem — falou Amor, suavizando sua fisionomia. — Foi uma época muito difícil para a minha mãe. Uma gravidez solitária, um parto solitário, e daí por diante, muita dificuldade financeira.
— Houve alguma ajuda por parte do Sr. Muller?
— Não, pelo contrário. A Sra. Muller queria dispensar os serviços de minha mãe logo que ela engravidou. Talvez por pena, resolveu fazê-lo apenas alguns meses depois de meu nascimento. Não que ela soubesse da traição do marido, mas pelo fato de minha mãe não poder permanecer no trabalho a mesma quantidade de horas que permanecia antes da gravidez e, principalmente, por levar-me para o trabalho. Ela não gostava da “concorrência” pela atenção das visitas e, principalmente, do esposo que, por sua vez se sentia desconfortável com a presença de minha mãe e do bebê.
— Que situação difícil! — disse Alex, agora com ar de pena.
— Ficaria mais difícil ainda após a demissão dela. Como não tinha registro em carteira, ela recebeu apenas os últimos dias trabalhados, o que mal deu para passar o mês. Vivemos de doações da igreja durante alguns meses e tudo era muito escasso. Na época havia muito preconceito e ninguém queria dar emprego a uma mãe solteira, ainda mais com uma criança de poucos meses. Até que ela conheceu uma senhora espírita que também freqüentava a igreja. Essa senhora deu-lhe emprego e a ajudou desenvolver sua mediunidade. Em pouco tempo minha mãe estava fazendo consultas espirituais, e a procura por seus serviços aumentou de maneira espantosa. Logo ela começou a dedicar-se às consultas em período integral, deixando os trabalhos domésticos. Ela trabalhou com o que chamava de “assistência espiritual” por mais de vinte anos. Durante esse período, não tivemos luxo, mas nada nos faltou. Até que ela adoeceu e veio a falecer. A situação voltou a ficar difícil, mas pouco depois comecei trabalhar com o Sr. Muller, no início das atividades do escritório. Eu o achava uma boa pessoa, embora soubesse que fora responsável por uma fase de muitas dificuldades enfrentadas por minha mãe e por mim. Após cinco anos à frente do escritório ele teve um derrame que o deixou hospitalizado em estado muito crítico. Pouco antes de sua morte ele me contou, com a voz muito fraca, que era meu pai, e como havia sido meus primeiros dias de vida, além de quase tudo que lhe contei agora. Pediu-me perdão e disse que me incluiria em seu testamento ainda naquele dia. Pedi-lhe para que não fizesse isso e também para que não revelasse a Daniel que éramos irmãos. Esse meu pedido seria a única condição para que eu o perdoasse. Instantes após eu sair do quarto ele faleceu. Daniel não estava lá e nada lhe foi revelado.
Continuaram a conversa por mais algum tempo e, quando Alex estava de saída, Amor disse:
— Peça desculpas a todos do escritório pelo meu descontrole e agradeça a Juliana pela dica sobre bingo.
— Que bingo? — perguntou Alex.
— O Bingo Island, no qual vocês jogaram antes de ir para casa de seus sogros, nas férias.
— Mas nós nunca fomos a nenhum bingo!
— Você deve não estar se lembrando. É aquele bingo que fica aqui na rua de trás, descendo duas quadras.
— Eu me lembraria se já tivesse ido, mas eu nem sabia da existência desse lugar. Juliana lhe falou que já estivemos lá?
— Devo estar fazendo confusão. Acho que foi outra pessoa — desconversou Amor.
Assim que Alex foi embora, Amor pegou as chaves do carro e foi até o bingo e para seu espanto, no local havia apenas um terreno baldio. Amor encostou a testa no volante, fechou os olhos tentando entender o que poderia ter acontecido naquela tarde. Sem sucesso, procurava alguma conexão entre o que Juliana havia lhe dito no escritório com a imagem da loira e o bingo.
Como seria possível ter permanecido durante horas em um salão com mais de cem pessoas, sendo que esse lugar nem existia?
Tentou lembrar de cada detalhe daquela tarde e teve a idéia de olhar o recibo do bingo. Procurou-o insistentemente, chegando a tirar tudo o que estava na carteira. Lembrava que o havia guardado lá, mas não o encontrou. Foi para casa, pegou o envelope em que havia guardado o dinheiro do prêmio. Não havia nenhum centavo, apenas um perfumado pedaço de papel com o número 333.
Após meses, Amor continuava desempregado, apesar das insistentes visitas às agências de emprego e do envio constante de seu currículo ao departamento de recursos humanos de diversas empresas.
Começou novamente a cantar na noite, nem tanto pelo dinheiro que era dividido igualmente entre os integrantes da banda, mas para ter alguma atividade que pudesse amenizar a sua forte tendência à depressão.
Sentia-se melhor em meio à agitação e acreditava que o contato mais estreito com outras pessoas poderia reduzir, ou até mesmo cessar os acontecimentos que o perturbavam havia quase um ano. Voltou a ter contato com Vera e, apesar de freqüentemente conversarem por telefone, acabaram tornando-se apenas grandes amigos. Amor nunca disse o motivo do rompimento de seu namoro com ela, achando que nada mudaria. Ele apenas queria esquecer tudo o que aconteceu. Esse tudo incluía Daniel.
Vera ligava quase diariamente para Amor, movida pela preocupação em relação à situação dele. Não tinha a intenção de reatar o com Amor e já estava até namorando outro rapaz que não sabia de seu contato com seu Amor. Mesmo assim, convidou Amor para trabalhar na empresa de seu pai, convite que foi recusado de imediato, mas não ignorou um outro convite, este para coordenar as instalações de uma nova filial que seria montada no Japão.
Para isso, ele teria que estudar as plantas e o layout das empresas do grupo, que eram padronizados e, sobretudo, aprender o idioma japonês. Passou a ter aulas particulares patrocinadas por Vera, estudando em média quatro horas diárias. Para sua surpresa, Amor assimilou rapidamente o idioma japonês, ao contrário da língua inglesa. Em dois meses de estudo já conseguia entender quase todo o material de áudio que pegava em sites na internet.
Amor conheceu muita gente interessante na noite. Uma das pessoas com quem mais gostava de conversar era a extrovertida Cláudia, a namorada do guitarrista e único remanescente da banda, desde a época em que cantava, havia mais de dez anos.
Cláudia era fascinada por ocultismo e magia, embora não tivesse nenhum dom para exercer alguma atividade do gênero. Certa noite, após a apresentação, Amor conversava com ela e, sob efeito de alguns drinques a mais, ele contou um pouco sobre os estranhos acontecimentos que ocorreram nos últimos meses. Depois de ouvir tudo, ela perguntou:
— Você já procurou alguém que pudesse lhe orientar?
— Sim, depois do que aconteceu no Cassino, achei que iria enlouquecer. Então procurei anúncios de cartomantes, cheguei até a conversar com algumas. Também procurei orientação de kardecistas. Mas não consegui obter o resultado que esperava, que era parar de ver ou sonhar com essas coisas. Mas nem tudo foi perdido. Consegui alguns bons conselhos, principalmente os que vieram dos kardecistas.
— E quais foram? — interessada, perguntou Cláudia.
— Acho que o principal foi para que eu levasse uma vida mais sociável. Eu costumava viver recluso, tendo contato estritamente profissional com o pessoal do meu trabalho e um relacionamento muito fechado com minha ex-namorada. Se hoje eu não cantasse, estudasse, enfim, não me relacionasse mais com as pessoas, desempregado e sem namorada como estou, talvez eu já tivesse...
— Eu conheço uma pessoa que talvez possa lhe dar alguma explicação a respeito do que tem acontecido com você — disse Cláudia, após presumir que, pelas palavras e mudança repentina de fisionomia, Amor falava de suicídio. — O nome dela é Mônica. Ela segue a religião celta. Não sei se ela costuma chamar assim, mas isso não importa. O importante é que você converse com ela e consiga resolver seu problema.
— Quando poderemos falar com ela? — perguntou Amor, ansioso.
— Eu preciso falar com ela antes, porque ela não atende a todos que a procuram. Muitas pessoas a procuram mais por curiosidade do que para obter ajuda, e isso a deixa muito irritada. Considere isso como uma dica para que ela não o ache apenas mais um curioso e se desinteresse pelo seu problema. Evite fazer perguntas sobre as atividades ou crenças dela, trate-a como uma pessoa comum, que é o que ela é. Conte tudo o que você contou a mim. Ela não lhe pedirá dinheiro, mas se lhe pedir para fazer algo, faça, pois seja lá o que for, será para o seu bem.
— Certo! Quando for possível vê-la, é só me avisar.
Os outros integrantes do grupo logo se juntaram aos dois, e Amor rapidamente mudou de assunto. Conversaram durante horas sobre os mais variados assuntos, o que foi cansando Amor. Ele continuava a beber demasiadamente, e o que era euforia foi se tornando depressão. Sentia-se incomodado com aquele insuportável diálogo de músicos pseudo-intelectuais, que parecia não ter mudado nos últimos dez anos. Todos queriam falar, mas ninguém estava disposto a ouvir, e as contestações não eram bem-vindas. Faltava-lhes a percepção de que um bom debate poderia ser o grande diferencial entre aquela reunião entre jovens amigos e um sarau de velhotas.
Cansado, Amor despediu-se de todos. Instantes mais tarde em sua casa, de maneira não muito racional em razão da embriaguez, começou a refletir sobre diversos aspectos de sua vida, chegando à conclusão de que nunca conseguiria ter uma vida social e nem realizar seus desejos e aspirações, como ter uma carreira bem-sucedida no que quer que fosse, assim como também nunca encontraria alguém de quem pudesse gostar de verdade. Via-se uma pessoa incapaz de amar. Começou a chorar compulsivamente. Achava que sua vida havia acabado, sem fazer idéia de que ela sequer começara. Pegou a arma que guardava desde a época em que freqüentava o clube de tiro da cidade, sentou-se, checou o tambor que estava totalmente carregado, encostou o cano em sua têmpora direita e, com a mão trêmula, começou a puxar o gatilho lentamente na ilusão de que daquela forma o estampido do disparo seria menor. Enquanto isso, com a visão embaçada pelas lágrimas de seu pranto silencioso, olhava para um porta-retratos com uma foto de sua mãe que tinha abaixo os dizeres:
“Sempre haverá uma melhor opção.
Resta-nos apenas decidir entre persistir ou fugir.”
Foi quando ouviu alguém bater fortemente à porta. Subitamente saltou do sofá e colocou a arma na estante, procurou conter o choro respirando profundamente e foi atender às insistentes pancadas. Pelo olho mágico viu um rapaz em trajes de guarda-noturno. Com os olhos vermelhos e ainda enxugando as lágrimas, Amor abriu a porta.
— Por que está batendo assim a esta hora da madrugada? — perguntou Amor, irritado.
— Eu vi alguém pular o muro de sua casa e vim ver se estava tudo bem. A esta hora da noite, imaginei que pudesse ser um ladrão.
— Não entrou ninguém aqui e não há quintal na parte de trás da casa. Conseguiríamos vê-lo daqui da porta, caso alguém tivesse realmente pulado o muro.
O guarda desculpou-se e foi embora. Amor foi direto para a cama e deitou-se sem nem ao menos tirar a roupa e os sapatos que usou durante a noite.
No outro dia, acordou já era uma e meia da tarde; estava com uma dor de cabeça insuportável e com um gosto horrível na boca, resultado do excesso etílico, em outras palavras — ressaca. Foi até a estante, pegou a arma, retirou as balas e jogou-as no lixo. Pegou o cartão que o guarda deixou com ele antes de ir embora e telefonou para contratar seus serviços. Imaginou que se realmente alguém tivesse pulado o muro de sua residência, teria sido encorajado pela falta da placa da vigilância noturna afixada à frente de todas as casas da rua, menos na sua, uma vez que ele era o único em sua rua que não pagava pelos serviços do vigilante.
Em uma hora, outro guarda vestido à paisana chegou.
— Boa tarde! Eu sou da ronda noturna — identificou-se.
— O senhor trabalha com o guarda que esteve aqui nesta madrugada? — curioso, Amor quis saber.
— Não, eu trabalho sozinho nesta área.
— Então deve ser algum conhecido seu, pois deixou o seu cartão comigo.
— Não pode ser! Não deixo meu cartão com nenhum outro vigilante. Sou o único responsável por esse setor do bairro.
— Mas o nome e telefone anotados no cartão são seus!
— Posso ver o cartão? — perguntou o guarda.
— Claro! — respondeu Amor, tirando o cartão de sua carteira e o entregando para o vigilante, que estranhou:
— Desculpe-me, mas não tem nada escrito neste cartão.
Amor pegou-o, virou-o dos dois lados e viu que de fato não havia nada escrito
— Acho que peguei o cartão errado. Depois eu vou procurá-lo, caso o senhor queira vê-lo. — justificou-se Amor, sem entender como as informações contidas no cartão poderiam ter desaparecidas no simples trocar de mãos.
— Caso não o encontre, não tem problema — respondeu o guarda, entregando o contrato de prestação de serviço para Amor assinar.
Amor entrou, abriu novamente a carteira e viu que o cartão que havia pouco estava em branco, agora continha o número 333, e exalava a misteriosa fragrância. Ligou para Cláudia e contou o que havia acontecido, omitindo os detalhes da tentativa de suicídio.
— Ligarei agora para a Mônica e volto a ligar para você — disse Cláudia vendo a seriedade do ocorrido
Após alguns minutos, Cláudia retornou a ligação, comunicando Amor, que Mônica estaria disponível para ouvi-lo naquela mesma noite. Amor pediu para que a amiga o acompanhasse e ela prontamente aceitou seu pedido. Horas depois, Amor, surpreso, era recebido por uma bonita jovem de aproximadamente 25 anos, com um visual ultramoderno. Usava piercings na sobrancelha e no nariz, uma bermuda desfiada e um top que evidenciava também um piercing no umbigo. Tinha tatuagens nos braços, pernas, ombros e até nos dedos das mãos.
Amor imaginava encontrar uma senhora de idade elevada, carrancuda, usando um longo vestido preto, amarrotado, com cabelos compridos, grisalhos e mal-penteados.
— Olá, tudo bem? Entrem! — disse ela, gentilmente.
Na sala, Amor esperava ver alguns acessórios que pudessem associar aquela jovem e simpática figura à bruxaria. Nada havia de diferente, somente um agradável aroma de incenso e alguns cristais sobre uma mesa de centro, o que também não era nada incomum, pois ele mesmo tinha alguns cristais em sua estante e, às vezes, acendia incensos.
— Querem um chá? — perguntou a dona da casa.
— Se a conversa for demorar, me traga um bem forte — respondeu Cláudia com um discreto sorriso de quem escondia algo.
A bruxinha foi para a cozinha e os convidados ficaram conversando na sala:
— Que chá é este que ela foi preparar? De que é feito? — perguntou Amor.
— Até hoje não descobri, mas pode tomar sossegado. O máximo que poderá acontecer é você tirar a roupa e dançar sobre a mesa de centro.
Amor sorriu.
Logo chegou o chá, servido em xícara de madeira e quente ao extremo. No primeiro gole, Amor queimou a língua.
— Calma, o chá não é como um suco, ele deve ser saboreado. — disse Mônica, sorrindo.
— De que ele é feito? — perguntou Amor. — É o mais gostoso que já tomei.
— É uma mistura de algumas ervas, cascas de árvore e sementes.
— Os chás dela são ótimos! — falou Cláudia. — Eu sempre venho aqui abusar desta especialidade dela.
— Você segue alguma receita ou algo que especifique as medidas certas para o preparo? — perguntou Amor.
— No início eu seguia sim, mas agora sigo minha intuição e, modéstia à parte, eles estão ficando cada vez melhores.
— Qual é este que estou tomando?
— Pode chamá-lo de... Conta tudo — disse Mônica, sorrindo.
— E o da Cláudia?
— Chá de cadeira.
Amor sorriu e logo começou a sentir-se eufórico, como se estivesse embriagado, só que sem a perda da consciência e da coordenação motora. Cláudia, que estava bem desperta um minuto atrás, agora dormia profundamente. Mônica acomodou-a, tirando-lhe os pés do chão e colocando-os sobre o sofá, deixando-a confortavelmente deitada. Em seguida, levou Amor até uma edícula onde estava concentrado todo o material de magia utilizado pela jovem bruxa.
Ela acendeu algumas velas, incensos, mudou a posição de alguns objetos que estavam sobre o altar, simbolicamente varreu o chão com um maço de folhas de sálvia e, em seguida, queimou-as em um defumador. Sentou-se à mesa talhada em resistente madeira rústica, com bancos feitos de fatias de tronco de árvore, pediu para Amor sentar-se de frente para ela, colocou os cotovelos sobre a mesa e apoiou o rosto sobre as mãos, permanecendo imóvel por vários minutos. De vez em quando dizia palavras que aparentemente não faziam nenhum sentido. Colocou as mãos sobre a cabeça, e com as pontas dos dedos massageou algumas regiões de sua cabeça de cabelos multicoloridos. No momento em que Amor começava a ficar impaciente, ela levantou a cabeça, abriu os olhos e em um diferente timbre de voz pediu a ele que contasse tudo o que vinha ocorrendo.
Amor então falou sobre os episódios ocorridos, às vezes sendo interrompido por algumas perguntas. Sentiu-se à vontade para relatar todos os detalhes, inclusive alguns que ele não contara nem para Cláudia.
Após quase uma hora ouvindo, Mônica levantou-se, pegou um athame que estava no altar, fez alguns movimentos ao redor da cabeça de Amor e em seguida cravou-o com força em um círculo desenhado na mesa. Elevou sua mão direita o mais alto que pôde e gritou em tom áspero e com a fisionomia transformada:
— Pelo poder de três vezes três!
Abaixou a cabeça e manteve-se assim por alguns segundos, até que sua ofegante respiração foi se normalizando. Tirou os cabelos que cobriam seu rosto, prendendo-os por trás das orelhas, levantou a cabeça e novamente com a voz suave, falou:
— Eu pedi proteção para que você não fique mais perturbado do que já está. Outra hora eu lhe explicarei melhor. Por enquanto procure ficar calmo, evite o consumo excessivo de álcool e não fique sozinho durante muitas horas por dia. Eu lhe darei algo que vai lhe ajudar.
— Precisarei retornar algum outro dia?
— O seu caso é bem atípico. Conversarei com o meu professor ainda hoje para pedir-lhe uma orientação e logo lhe telefonarei para marcarmos uma nova visita.
— Você tem um mestre?
— Prefiro chamá-lo de professor. Ele mora em Londres. É uma personalidade respeitadíssima em nosso meio.
Amor ainda fez algumas perguntas, o que desagradou um pouco Mônica, mas calou-se logo que se lembrou do que disse Cláudia sobre a curiosidade.
Ela apagou a vela do altar, ordenou os objetos na direção em que se encontravam antes e voltaram para a sala onde estava Cláudia. Ela ainda dormia profundamente e só acordou com uns bons chacoalhões.
Antes de irem embora, Mônica foi até a cozinha e voltou com dois saquinhos contendo vários tipos de ervas e cascas misturadas.
— Faça um chá com uma colher de sopa deste saquinho e tome antes de dormir e, ao acordar, faça a mesma coisa, só que com a erva deste outro.
Amor agradeceu e perguntou quanto era a “consulta”. Mônica pediu-lhe que guardasse a carteira. Disse-lhe ter suas fontes de renda e que aquela, apesar de ser a mais valiosa de suas atividades, não era cobrada. Sem graça, Amor agradeceu e se despediu. Ao chegar em casa fez o chá, tomou-o e dormiu tranqüilamente. No outro dia de manhã, tomou o chá do outro saquinho e sentiu-se calmo e tranqüilo durante todo o dia. Ao entardecer, assim que chegou da aula de japonês, recebeu o telefonema de Mônica, que pedia para que ele fosse até a casa dela, se possível naquela mesma noite. Em poucos minutos, ele já estava lá.
— Oi Amor, entre, por favor! Eu conversei com o David e ele passou algumas instruções para eu poder lhe ajudar. Apenas alguns exercícios. Quase todos bem conhecidos entre os ocultistas. Servirão para aguçar sua percepção em geral. Eles trabalharão sua audição, visão, olfato e, sobretudo, a sua concentração.
— Mas se minha percepção ficar mais aguçada eu não ficarei ainda mais vulnerável a essas coisas estranhas que vêm ocorrendo?
— Sim, mas esta é a intenção. O David disse que o seu caso é um fenômeno raro, que ele já estudou, mas que nunca conheceu alguém que tivesse participado diretamente desses acontecimentos.
— Mas o que está acontecendo comigo? — perguntou Amor, impaciente.
— Você não está com nenhum problema de ordem psíquica. Tudo o que vem ocorrendo não é imaginação sua, você está sofrendo fortes influências exteriores e, por mais que você tente reprimi-las, não conseguirá livrar-se delas.
— E como conseguirei livrar-me?
— Talvez não seja você que determine e, quem sabe, você não precise livrar-se de nada.
— Como assim? — perguntou Amor, franzindo a testa.
— O senhor David não me deu muitas explicações, só disse para começarmos os exercícios o quanto antes — desconversou Mônica.
Ela passou uma série de técnicas que invariavelmente começavam com um relaxamento. Amor praticou os exercícios diariamente em sua casa durante duas semanas. Quando já estava em um estágio mais avançado de concentração, começou a praticá-los na casa de Mônica, sempre ajudado pelos chás preparados por ela, músicas, cromo e aromaterapia e, até mesmo, massagens relaxantes, que era outra aptidão dela.
Amor havia algum tempo não tinha contato íntimo com nenhuma mulher e, em meio a um clima de sensualidade e misticismo, começou a sentir um forte desejo pela jovem feiticeira, que por sua vez também, dia após dia, interessava-se cada vez mais por ele. Principalmente pelo seu jeito sempre amigável e gentil.
Certa noite, durante uma sessão de relaxamento, ela o massageava, quando percebeu que ele a olhava fixamente.
— Está bom? — perguntou ela, diminuindo a pressão dos toques e fazendo movimentos cada vez mais lentos e suaves. Ele sorriu e, mesmo à meia-luz, ela conseguiu notar que ele estava corado.
O aparelho de som pré-programado começou a tocar músicas diferentes das que habitualmente tocava durante os exercícios. As velas aromatizadas, o óleo, a música, tudo fora minuciosamente preparado para aquela noite, para aquele momento. Até o teto móvel, que sempre estava fechado, naquela noite estava aberto, fazendo da edícula um jardim de inverno, iluminado somente por velas e por uma fascinante lua cheia.
Nem com toda sua imaginação Amor poderia realizar uma noite tão perfeita quanto a que Mônica preparara. Ele procurou retribuir, alternando momentos de muito carinho, e de voracidade, provocada pela longa carência e também pelo chá que tomou ao chegar, sem perceber que este, se tratava de um poderoso afrodisíaco.
Às seis da manhã, sob os primeiros raios de luz, Amor ainda parecia disposto, enquanto Mônica, sem forças sequer para levantar-se, pensava ter exagerado na dose do chá. Adormeceram e acordaram horas depois, com o sol quente daquela manhã de verão ardendo sobre os corpos ainda nus.
Mônica levantou-se, fechou o teto por meio de um dispositivo elétrico, vestiu-se e foi até a cozinha, voltando instantes depois com o café da manhã servido em uma bonita bandeja de madeira. Amor a esperava vestido, sentado sobre o improvisado colchão da mesa de massagem e, em silêncio, comeu apenas algumas bolachas, sem sequer tocar no chá.
— Beba! — disse ela. — Isto vai lhe ajudar a recuperar as energias.
— É só isso mesmo? — perguntou Amor, sem olhar para Mônica.
— Não seja pretensioso a ponto de achar que eu recorreria a esse meio para conseguir o que quer que fosse de você — falou Mônica, furiosa.
— É que esta noite eu estava fora de mim — disse Amor tentando justificar o que havia dito.
— Eu admito que fiz um preparo para a sua libido, mas nunca espere que eu faça um para o seu coração.
— Desculpe-me, você é uma mulher maravilhosa. Foi estupidez minha pensar uma coisa dessas. Você tem muito outros encantos além dos que você prepara — retratou-se Amor.
— Através de meus preparos eu consigo encurtar caminhos, mas há certos atalhos que eu me proíbo de pegar. Tenho um dom muito precioso e não quero perdê-lo, nem por você e nem por ninguém.
— Quer dizer que um encantamento para fazer alguém apaixonar-se pode fazer você perder o seu conhecimento?
— Não exatamente, pois eu continuaria sabendo quais ingredientes utilizar em cada situação. Acontece que os ingredientes e os preparos resultantes deles são apenas meios usados para fazer um encantamento agir sobre algo ou alguém. O que realmente conta é a intenção, o desejo pessoal que se mostra muito mais poderoso aliado à benfeitoria e à pureza interior. Seguimos uma ordem e algumas regras que, se quebradas, podem nos trazer não só o enfraquecimento e a perda de nosso dom, mas também um sofrimento insuportável.
— Desculpe-me, é que hoje em dia é comum vermos anúncios de pessoas que se oferecem para criar, fortalecer e também desfazer relacionamentos.
— Seja qual for a ordem seguida ou os métodos utilizados, essas pessoas não conseguem cumprir o que prometem, pois já perderam esta capacidade, se é que um dia a tiveram. Essa perda ocorre logo na primeira união que forçaram, desmancharam ou influenciaram de forma negativa.
— Quer dizer que essas milagreiras que lidam com problemas passionais...
— É isto mesmo! — interrompeu Mônica. — Eles não passam de charlatões que vivem de aplicar golpes nas pessoas, principalmente nas desesperadas. Para aqueles que seguem alguma doutrina com seriedade, todas as regras existentes são disciplinadas por apenas uma que diz: “Faça tudo o que desejar desde que não prejudique ninguém”. Se esse princípio fosse seguido à risca, estaríamos mil anos à frente de nosso tempo. Nosso atraso espiritual é a principal razão de ainda haver guerras, fome, epidemias, doenças ainda sem cura, todo e qualquer tipo de flagelo conhecido, e a principal causa desse atraso são as atitudes danosas ao próximo, mesmo as tomadas sem a intenção de prejudicar.
O envolvimento entre Amor e Mônica aumentava gradativamente, e após algumas semanas eles já se relacionavam como se namorassem havia anos. Viam-se todos os dias e, embora não morassem juntos, passavam apenas algumas poucas horas por dia longe um do outro. Dedicavam grande parte do tempo às práticas ocultistas, separando-se basicamente quando Mônica prestava assistência espiritual ou dedicava-se a atividades secundárias como colocar piercings e tatuar. Esta última, às vezes, resultava em algumas discussões com Amor pelo fato de alguns clientes quererem tatuar partes íntimas. Algumas tatuagens eram cômicas, como a de um rapaz que tatuou um elefante no púbis, para que o pênis simbolizasse a tromba do animal. Mônica custou a convencer Amor a deixá-la fazer o trabalho. Após muita conversa ele concordou, mas fez questão de acompanhá-la no atelier que também ficava na edícula, no cômodo ao lado do usado para a prática dos exercícios e rituais.
Para a surpresa de Amor, o rapaz da tatuagem de elefante era homossexual e o parceiro dele, inseguro diante da beleza de Mônica, também não abriu mão de acompanhar o trabalho. A tatuagem foi feita em um clima de descontração, com os dois casais conversando bastante e, inevitavelmente fazendo algumas piadas sobre o paquiderme. Acabaram tornando-se bons amigos e sempre que possível, encontravam-se para jantar ou apenas tomar cerveja e passar algumas horas jogando conversa fora.
Mônica continuava a instruir Amor em seus exercícios. Havia um bom tempo que ele não via e nem sonhava com a imagem e sentia-se bem por isso. Por outro lado sentia sua intuição e percepção aumentarem espantosamente de maneira que, às vezes, podia adivinhar quando o telefone estava prestes a tocar. Sentia quando alguém estava à sua porta, antes mesmo que este alguém tocasse a campainha, e não era raro estar pensando em uma música, e em seguida ligar o rádio e a mesma canção estar tocando.

“Em meio às trevas, reluziu seu brilho de lua nova;
Revelou minha triste face;
Alegrou-a subitamente.
Tempestade que inundou de vida meu, antes, árido solo.
Brotou a seca semente que há muito lhe aguardava;
A escuridão se extinguiu;
Tua luz agora ilumina meus caminhos;
Reflete meu contentamento.
Transbordaste meu cálice;
Ofereceste-me o puro licor dos deuses;
Bebi de seu veneno;
Tiraste-me minha desvanecida vida;
“Ressuscitaste-me com a pureza de uma criança.”

Antes de abrir os olhos conseguia visualizar todo o quarto, e até ver que horas eram. Mas, o que mais lhe impressionava era quando acordava ouvindo músicas que jamais havia ouvido antes. Eram melodias bem elaboradas, de uma beleza indescritível. Quando acontecia de acordar ouvindo estas melodias, Amor era tomado por uma onda de positivismo e de uma casual certeza de que tudo ficaria bem e que nada poderia dar errado, em nenhum aspecto. Esta onda de positivismo e alegria durava vários dias e, coincidência ou não, tudo parecia realmente dar certo nesses dias.
Numa determinada noite, a pedido de David, foi realizada uma videoconferência para que ele pudesse acompanhar em tempo real o trabalho que estava sendo realizado por Mônica. Para decepção de Amor, surgiu no monitor a imagem de um senhor calvo, usando terno e gravata, aparentando pouco mais de cinqüenta anos, de fisionomia simpática e sorriso paternal.
A exemplo do que aconteceu quando conheceu Mônica, Amor já trazia consigo o estereótipo do mago alto, de olhar enigmático, semblante fechado, barba e cabelos compridos e grisalhos, usando um longo manto com capuz. O contraste entre o esperado e o visto causou um certo descrédito em Amor em relação ao senhor David.
— Olá Amor, tudo bem? — perguntou ele.
— Tudo bem! É um prazer falar com o senhor — respondeu Amor em seu inglês vacilante.
— O prazer é meu. Requisitei esta videoconferência para que eu pudesse apenas fazer algumas observações. Gostaria que você ignorasse minha presença e se concentrasse apenas nas instruções da senhorita Mônica.
Após servir o chá e auxiliar Amor nos exercícios de relaxamento, Mônica sentou-se diante do computador e comunicava-se com David, aos cochichos, através de um headfone, para que não desviasse Amor de seu exercício.
— Ele dormiu — disse Mônica, depois de algum tempo conversando com David.
— Não o acorde por enquanto — pediu David.
Continuaram conversando por mais um longo tempo, quando de repente Mônica notou uma drástica mudança na fisionomia de David.
— O que foi aquilo? — perguntou ele.
— Aquilo o quê? — perguntou ela, sem entender o espanto de seu professor.
— Passou alguém rapidamente próximo a Amor.
— Mas não há ninguém aqui além de nós dois.
— Por favor, gire a câmera devagar para que eu possa ver todo o cômodo.
Mônica girou a câmera lentamente, quando de repente:
— Pare! — gritou David, assustando Mônica.
— O que está acontecendo? — perguntou ela já aumentando o tom de voz.
— Fale baixo! Você não está vendo ali no canto, uma moça sentada na cadeira?
— Não, não estou vendo ninguém! — respondeu ela, aumentando ainda mais a voz, fazendo com que Amor despertasse.
— Ela sumiu! — disse David.
— O que está acontecendo? — perguntou Amor ao ver o espanto de Mônica.
— O senhor David viu alguém no quarto.
— Quem? Como era a pessoa?
— A definição da imagem não estava boa, mas pude ver que era uma moça loira — respondeu David.
— Como ela estava vestida? — perguntou Amor.
— Parecia usar um vestido azul-claro.
— É a imagem da mulher que eu costumava ver! — respondeu Amor, ainda sentindo o perfume dela.
— Fique calmo! — recomendou o senhor David. — Procure não ficar pensando nisso, e caso você sonhe ou veja novamente esta moça, não se altere, tente ignorá-la, e quanto aos seus exercícios, suspenda-os provisoriamente.
— Por quanto tempo? — perguntou Mônica.
— Não sei lhe dizer agora, mas quando eu obtiver uma resposta, eu lhe informarei. Procure estar com Amor nas próximas horas e, se possível, nos próximos dias.
Ao final da transmissão, Mônica propôs a Amor que fossem até a casa dele apanhar algumas roupas para que ele pudesse passar uns dias na casa dela. Ele, preocupado com o porquê da recomendação de David, concordou de imediato.
Quando estavam a apenas alguns metros da casa dele...

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3 comentários:

Michele Machado Fernandes disse...

Parabéns!
A história de seu livro é muito envolvente e permite que o leitor conheça os personagens perceba seus sentimentos através do relato de pequenos detalhes dos acontecimentos que lhes permeiam.
Muito sucesso para vc!

Má disse...

Que livro lindo!

PARABÉNS!!!

Unknown disse...

Adorei!!!!Muito envolvente,os sentimentos relatados são vívidos ,o que nos faz partilhar da trama,com um crescente interesse pelo destino dos personagens.Parabéns